30/11/2022POSTADO EM: Artigos Contabilidade Gente que Empreende
Contratos sociais perfeitos e a aplicação da nova Lei das Sociedades Limitadas
Por Eduardo Brasil e Victor Saavedra,
O Código Civil, em matéria de direito de empresa tocante às sociedades empresárias limitadas, estabeleceu inúmeros tipos diferenciados de quóruns de deliberação, assim gerando dificuldades práticas de aplicação, resultando em um claro retrocesso.
O desprestígio ao princípio majoritário, consagrado na teoria de direito societário, complicou o processo de decisão das sociedades limitadas, ocasionando insegurança jurídica e tornando o tipo societário mais utilizado no Brasil um campo fértil de disputas e controvérsias entre sócios.
Aos poucos, o legislador tenta corrigir as idiossincrasias. Um exemplo é a Lei nº 14.451/22, que positivou alterações nos artigos 1.061 e 1.076 do Código Civil, respeitando o princípio majoritário e simplificando o sistema das limitadas.
A presente análise se circunscreverá ao administrador não sócio. O artigo 1.061 prescrevia que: “a designação de administrador não sócio dependerá de aprovação unânime dos sócios, enquanto o capital não integralizado, e de 2/3 (dois terços), no mínimo, após a integralização”.
Com a entrada em vigor das alterações, haverá uma flexibilização quantitativa dessas deliberações. O administrador não sócio dependerá de 2/3 dos votos em caso de capital não integralizado e aprovação de titulares de quotas correspondes a mais da metade do capital social, quando ele estiver integralizado.
A pergunta que exsurge: e as relações constituídas com base em contratos sociais perfeitos e acabados existentes antes da entrada em vigor das referidas modificações?
A sociedade limitada é contratual, estabelecida em bases de interesses plurilaterais. Essa é a premissa assentada de algum tempo entre os teóricos do direito societário.
Alterações legislativas impactam, sem nenhuma dúvida, o porvir. Em assim sendo, novos contratos sociais estão abarcados por este regramento. Porém, teriam o condão de reescrever o passado? Melhor dizendo, serviriam como substrato normativo para aplicação em contratos sociais perfeitos e acabados?
Uma leitura menos atenta poderia levar à conclusão de que, como houve a redução do quórum, não teria nenhum prejuízo prático. Todavia, se o legislador, ao invés de reduzir, tivesse aumentado o quórum de deliberação, a resposta seria a mesma? Ao extremo do raciocínio: apenas redução de quórum, por via legislativa, poderia ser aplicado às deliberações lastreadas em contratos sociais perfeitos e acabados?
Os atos pretéritos à lei vigente não podem ser simplesmente anulados ou imediatamente retificados. Ora, a constituição da sociedade limitada está protegida pelo ato jurídico perfeito, sendo inalteradas todas suas ações passadas.
Por outro lado, os dispositivos alterados não dizem respeito a formação e celebração de contratos constitutivos sociais e sim as deliberações dos sócios. Em verdade, muda-se o instrumento deliberativo e não os atos constitutivos já consumados.
Inegavelmente, quando nos deparamos com o direito privado, a liberdade de atuação dos indivíduos perante os contratos é regida pelas suas próprias vontades, sendo elas apenas delimitadas legalmente com o fulcro da segurança jurídica e a garantia da paridade de armas naquele negócio jurídico, no qual haveria, como exceção, a intervenção judiciária e/ou legislativa em caso de abusividade de cláusulas e aparente desequilíbrio contratual.
A autonomia privada inserida nos contratos empresariais possui o atributo de promover a livre iniciativa entre os polos do negócio jurídico. Ou seja, aquilo que está regido no contrato social, quando não abusivo, é valido desde que acordado por aqueles que o constituem. A legislação civil incide de forma suplementar a aquilo que genericamente está elencado ou que está obscuro no contrato social.
Insta mencionar que o marco temporal fincado pela Lei nº 14.451/22 não afeta atos jurídicos e contratuais consumados anteriores a ela, mas pode influenciar nos futuros. Não há justificativa plausível que valide a atuação de uma sociedade limitada constituída no regime anterior e que seus atos futuros ainda se baseiam pelo mesmo regramento.
Ora, na atividade empresarial, mesmo que respaldada em um contrato social constituído antes da alteração, os atos que são posteriores a ela estarão regidos pelo regramento atual.
Destarte, há de ser verificado 3 possibilidades quanto a aplicabilidade ou não da nova lei: 1 – O contrato social constituído antes dela e com cláusulas específicas que determinam o quórum deliberativo de forma expressa; 2 – o contrato social confeccionado posterior a vigência legal; 3 – e o contrato social que institui de forma genérica o quórum e que fora regularizada sob a égide normativa antiga.
Em primeira situação, o simples fato de já estar expressamente tida a forma da deliberação societária em moldes específicos, como caracterização do quórum, a maneira de deliberação e demais atributos, se encaixam em atos consumados, presente, portanto, o ato jurídico perfeito, não sendo afetado pela superveniência de lei que disserte diversamente do que está em cláusula.
A segunda possibilidade corrobora com entendimento de que os atos, desde que descritos de forma genérica, seriam suplementados com a lei em vigência. Mesmo que houvesse a criação da sociedade limitada antes da Lei 14.451/22 e se percebido que a cláusula de quórum deliberativo é abstrata e genérica, há incidência da modificação legislativa em atos subsequentes.
Na terceira situação fática, em caso de cláusulas genéricas, o contrato social já vem acompanhado com a novidade normativa, sendo ela interpretada conforme a mutação formal da lei. Quando percebido que há cláusulas específicas tocante ao quórum, deve-se atentar que ela poderá apenas aumentar a quantificação do quórum, objetivamente a importância e proteção dos sócios minoritários.
Portanto, verifica-se possibilidade da incidência da Lei nº 14.451/22 e, por derradeiro, a aplicação das novas métricas de quórum, em sociedades limitadas que não elencaram ou colocaram genericamente cláusulas sobre deliberações societárias, conquanto as cláusulas específicas não são afetadas pela mudança normativa.
Eduardo Brasil é sócio da área societária do Fonseca Brasil Advogados.
Victor Saavedra é advogado do Fonseca Brasil Advogados.
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