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19/10/2023

CND habite-se e COBRANÇA INDEVIDA

17/10/2023POSTADO EM: Artigos Tributário e Fiscal

Crítica à exigência da CND para a expedição do “Habite-se”

Por João Vitor Rossi
O “Habite-se”, conforme bem destaca alguns acórdãos do Tribunal de Justiça de São Paulo, é um “ato administrativo de natureza técnico urbanística, relacionado à segurança, solidez e condições de habitabilidade” (TJ-SP, AC nº 1028726-12.2017.8.26.0053, julgamento: 26/11/2020). Vale registrar que o entendimento citado está em consonância com Hely Lopes Meirelles:
A polícia das construções efetiva-se pelo controle técnico funcional da edificação particular, tendo em vista as exigências de segurança, higiene e funcionalidade da obra segundo a sua destinação e o ordenamento urbanístico da cidade, expresso nas normas de zoneamento, uso e ocupação do solo urbano (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro, 16ª ed., São Paulo: Malheiros, 2008, p. 495).

Logo, por estar ligado à condição técnico urbanística da obra realizada e a verificação da viabilidade de se residir com a mínima segurança naquele empreendimento, no nosso entendimento, não tem o mencionado ato administrativo vinculações com a cobrança ou com o fato gerador dos tributos municipais inerentes à construção civil, como por exemplo o ISS ou IPTU.
No entanto, alguns municípios, a fim de forçar um parcelamento ou pagamento dos tributos ISS ou IPTU, condicionam a entrega do “Habite-se” ao protocolo das Certidões Negativas Tributárias.
Contudo, com o devido respeito aos que pensam o contrário, defendo que razão não assiste ao município, pois é firme no STF (Supremo Tribunal Federal) o entendimento de que “É inconstitucional o uso de meio indireto coercitivo para pagamento de tributo” (STF, RE 565.048, relator ministro Marco Aurélio, P, j. 29-5-2014, DJE 197 de 9-10-2014, Tema 31).
Além do mais ao não emitir o “Habite-se”, o município acaba impedindo o livre exercício da atividade econômica da construtora, pois ela necessita da regularidade daquele documento para o fim de transacionar corretamente os seus imóveis.
Vale argumentar que a Carta Magna garante o direito ao livre exercício de qualquer atividade econômica (artigo 170, parágrafo único) e à liberdade de exercício profissional (artigo 5º, XIII).
De mais a mais, o próprio Supremo veda a cobrança de impostos por meio de restrição ilegítima ao livre exercício de atividade econômica lícita, cito:
É inconstitucional a restrição ilegítima ao livre exercício de atividade econômica ou profissional, quando imposta como meio de cobrança indireta de tributos. (STF, ARE 914.045 RG, relator ministro Edson Fachin, P, j. 15-10-2015, DJE 32 de 19-11-2015, Tema 856).
Súmula 70/STF: É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo.
Súmula 323/STF. É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos.
Súmula 547/ STF. Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais.
Portanto, sendo certo que a não emissão do “Habite-se” afeta diretamente a regularidade dos imóveis construídos, o Município acaba por limitar ou até mesmo impedir completamente a continuidade do empreendimento e os seus negócios futuros.
E que não se alegue a razoabilidade da exigência, visto que é assente no Tribunal de Justiça de São Paulo que o Município possui outros meios para perseguir eventuais débitos de IPTU e ISS:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO — Decisão que indeferiu pedido de liminar que pretendia que a análise do processo de emissão de ‘habite-se’ ao empreendimento ‘Parque Joinville’ se desse independentemente da apresentação da certidão negativa de débitos (CND) exigida pelo artigo 88 da Lei Complementar nº 5/1992 da Municipalidade de Jundiaí — Administração Pública que tem à sua disposição medidas judiciais e extrajudiciais próprias à cobrança direta dos valores a ela devidos, no bojo das quais se asseguram os meios necessários à satisfação dos débitos em face dela constituídos ao mesmo tempo em que se preservam os direitos e as garantias do contribuinte — Recurso provido”. (TJSP; Agravo de Instrumento 2012625-03.2021.8.26.0000; relator (a): Aliende Ribeiro; Órgão Julgador: 1ª Câmara de Direito Público; Foro de Jacareí – Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 05/02/2021; Data de Registro: 05/02/2021).
Além do Fisco ignorar os meios regulares de cobrança, ao agir da maneira aqui criticada, viola um Acórdão específico de relatoria da ministra Cármen Lúcia no sentido de classificar como sanção política a exigência de quitação do ISS para a emissão do “Habite-se”, cito:
“EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. DIREITO TRIBUTÁRIO. NECESSIDADE DE RECOLHIMENTO DE ISS-QN PARA LIBERAÇÃO DE “HABITE-SE” DE IMÓVEL. SANÇÃO POLÍTICA. IMPOSSIBILIDADE DO USO DE MEIOS COERCITIVOS PARA COMPELIR AO PAGAMENTO DE TRIBUTOS. PRECEDENTES. NATUREZA JURÍDICA DO “HABITE-SE”: SÚMULA N. 280 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO”. (STF, ARE 1181820 AgR-terceiro, relator(a): Cármen Lúcia, 2ª Turma, julgado em 05/11/2019, Processo Eletrônico DJe-256  DIVULG 22-11-2019  PUBLIC 25-11-2019).
Diante do exposto, conclui o presente escrito que é inconstitucional e nada razoável condicionar a emissão do “Habite-se” à apresentação da Certidão Negativa de Débitos (CND), visto que o Município não pode utilizar meios coercitivos para cobrar os seus tributos, sendo vedado qualquer ato de proibição ao livre exercício da atividade econômica da empresa e por fim não custa reforçar que o Fisco poderá cobrar os tributos por outros meios.

João Vitor Rossi é advogado, pós-graduado em Direito Processual Civil pela Universidade de Araraquara, bacharel em Direito pelo Centro Universitário Padre Albino e em Administração pela Universidade de Uberaba.

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